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Segunda chance

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Segunda chance

Por Paulo Cézar de Souza

O que é crueldade? Há muitas maneiras de descrever essa perversão. Aqui trataremos de abandono de animais cujo números continuam a escalar em patamares alarmantes. Mesmo com previsão legal como crime e com sua imensa carga de condenação moral pessoas em pleno século XXI flertam sistematicamente com esse tipo de maldade
Os mecanismos legais/éticos já deveriam atuar como freio para desencorajar esse resultado, mas infelizmente, um processo errático nas mentes de algumas poucas pessoas permanece misteriosamente pulsando com um fervor malévolo que desafia os divãs da psiquiatria. Em uma época em que templos e cultos se multiplicam não se vislumbra a generosidade avançar com a mesma velocidade.
Animais que coexistem com os humanos desde a aurora da civilização, que confiam em nossa benevolência e virtudes são descartados por quem deveriam protegê-los. Seres indefesos vagueiam por toda parte: sob o escrutínio de nossa vida urbana com seu mosaico complexo de prédios cintilantes e subúrbios esquecidos. Estão nos becos, nas rodovias, nas estradas ermas com paisagens hostis. Seus uivos de solidão ecoam de muitos lugares. Perambulam em lixões periféricos até a exaustão. Confusos e esqueléticos ingerem nossos restos degradados. Alguns acorrentados sujeitos às intempéries atacados por morbidades erradicadas há muito pela ciência. Com sorte alguns reencontram paz e conforto em algum lar amoroso ou ganham uma nova chance em abrigo – ao menos terão alimento para não perecerem na inanição. Contudo, uma maioria é negligenciada, vista com pacífica indiferença, escorraçados, feridos já extinguindo seus últimos vestígios de dignidade. Adoecem e morrem lentamente enquanto olhares apáticos delegam inconscientemente ao outro a reparação dessa realidade deformada.
As pessoas estão muito ocupadas com suas vidas para percebê-los. A grandeza em ver além de si é um exercício diário de autocontrole, empatia e compaixão. Aliviar o sofrimento dos seres mais fracos, externalizar bondade e respeito são atributos desejáveis à nossa civilização, pois temos a inteligência, os meios, os recursos e a vasta oportunidade de romper a âncora do narcisismo que nos enjaula em um mundo menor. Uma miríade de pessoas dedicada à causa somado ao desaparelhamento público não consegue nem longe diminuir a proporção de animais peregrinos.
Para esse pequeno grupo de pessoas para quem a vida deles importa há uma missão diária, uma força que move cada músculo e pensamento, mas isso não basta porque esse front tem batalhas infinitas. Desenvolve-se lentamente um protagonismo comunitário que incentiva cidadãos a se envolverem diretamente na proteção animal. Se organizam para alterar um quadro perverso que aflige nosso ambiente. Em alguns lugares já observamos essas mudanças com solidariedade entre si e com os animais.
Essa história está se desenrolando agora, tem muitas formas de reescrevê-la e reordenar seu curso.
Podemos e devemos intervir no seu roteiro para que possamos ter mais finais felizes. Comecemos [pela origem], difundindo uma cultura que desde o berço reconstrua vínculos entre os humanos com outras formas de vida. Admitir que esse mundo tem uma interdependência de conexões invisíveis que nos entrelaça ao qual estamos inseparavelmente ligados.
Está em nosso alcance fazer uma adoção, visitar uma ONG, apadrinhar um animal em um gesto de nobreza. “A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana. (Charles Darwin). Que possamos ser um raio de luz para seres tão amáveis que se propõe a preencher vazios, se lhes forem concedidas a permissão para fazê-lo.

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Paulo Cézar de Souza é membro da Comissão de Proteção do Direitos dos Animais da OAB/MT

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Rondon: na selva sim, no trono não!

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Por Suelme Fernandes

Desde seus primeiros anos a serviço do Exército em Mato Grosso, Marechal Cândido Rondon demonstrou que seu destino era servir à pátria não ao poder.

Já em 1890, quando foi nomeado chefe do Distrito Telegráfico de Mato Grosso, e novamente em 1892, ao assumir a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, Rondon teve oportunidades de ingressar na política local e até ser nomeado governador, graças às boas relações que mantinha com a nascente República.

Preferiu os fios telegráficos e o sertão aos palácios do poder, uma escolha que marcaria toda a sua trajetória.

Em 1915, quando as elites políticas mato-grossenses se digladiavam em disputas separatistas entre o sul e o norte do estado, Rondon surgiu como um nome de consenso, conciliador e pacificador. A indicação contava com o apoio do próprio presidente Wenceslau Braz.

Ao declinar do convite, declarou com firmeza:
“Não trocarei a missão de unir os brasileiros pelos fios do telégrafo pelo jogo da política que os divide.”

Com sua recusa, o presidente nomeou o general Caetano de Albuquerque para governar o Estado de 1915 a 1918.

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Dois anos depois, em 1917, a história se repetiu. Rondon foi novamente convidado pelos partidos locais e pelo Presidente para ser governador de consenso, desta vez tendo como adversário Dom Aquino Corrêa, o influente arcebispo de Cuiabá.

Rondon recusou mais uma vez. E, mesmo fora da disputa, movimentou-se contra a candidatura clerical.

Das profundezas do sertão, onde instalava linhas telegráficas, enviou telegramas que sacudiram o país:
“Um governo clerical seria a morte do progresso”, denunciou, classificando a candidatura como “incompatível com os princípios republicanos.”

A reação foi feroz. O jornal A Cruz, de Cuiabá, porta-voz dos interesses católicos, lançou graves calúnias contra Rondon, acusando-o de roubar terras indígenas e desviar recursos públicos.

O sertanista respondeu como só um homem de sua estirpe poderia:
“Só o chicote poderia desagravar minha honra, se o canalha tivesse coragem de assinar seu nome!”

A população cuiabana tomou as ruas em sua defesa, reunindo-se por centenas na Praça da República.

Em 1937, já na era Vargas, Rondon foi novamente convidado para assumir o governo de Mato Grosso, desta vez como interventor federal.

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Mais uma vez, recusou.

O presidente Getúlio Vargas, então, nomeou Júlio Strübing Müller, que governou o estado até 1945.

Marechal Rondon faleceu em 1958, mas suas quatro recusas ao poder em 1890, 1915, 1917 e 1937, permanecem como lições eternas de integridade.

Enquanto políticos até hoje se agarram a cargos como náufragos a tábuas, ele escolheu o sertão e integrar os indígenas a nação:

Enquanto religiosos buscavam influência temporal, ele defendeu com firmeza a separação entre Igreja e Estado. Lição a ser aprendida.

Rondon poderia ter governado Mato Grosso por quatro décadas ou até mais que isso, mas escolheu unir o Brasil.

Não com decretos, mas com telégrafos e aldeamentos indígenas. Não com discursos, mas com ações.

Enquanto políticos são esquecidos com o tempo, sua luz continua a nos guiar, como exemplo de civismo pátrio e desprendimento.

Rondon e sua História reluzem no hoje como uma lanterna acesa na noite escura do nosso existir.

Suelme Fernandes é mestre em história e membro da IHGMT.

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